"O medo é o principal modo de transporte para o cancro, porque o cancro é a única palavra com seis letras que nenhum de nós quer ouvir falar."
Charles Martin (2009)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Testemunho

Por Rita Leitão

"Um artigo ...... um testemunho .... a minha experiência...... cuidados paliativos ... etc etc... etc!
Nesta fase do campeonato em que o verbo SATURAÇÃO é o que predomina, e está na ordem do dia, não sei se sou a pessoa indicada para enaltecer estes serviços já que estou farta deles todos, quer dizer, de hospitais, de enfermeiros, de consultas, de opiniões. (Há dias assim! SATURAÇÃO poderia ser o tema escolhido!) O meu testemunho é igual ao de milhares de pessoas que sofrem desta doença mortal que se chama cancro.
Tenho um cancro (em fase terminal) que teimosamente ando a combater desde há 2 anos quando me foi diagnosticado. Dizem que é um cancro raro (o nome pelo menos assim o indica porque nem eu o sei pronunciar!!!) que tem a ver com a glândula supra-renal, que me foi retirada. A partir daí começa o caos. Caos físico, familiar... e uma viagem alucinante às profundezas do mais íntimo que vou conseguindo alcançar.
A verdade é que tenho metástases espalhadas em toda a parte abdominal e pulmonar e que me aconselharam um bocado precipitadamente (já que ninguém sabe tratar deste cancro, para quê mutilar mais ainda a pessoa???) quimioterapia. A mais violenta que me reduziu a um farrapo, me destruiu..... e que não resultou! Depois disso, sem saber para que lado se virar....toma lá outra dose de quimio... , desta vez oral! QUEREM SABER O RESULTADO????? O meu médico, de quem eu gosto muito, mas aqui na se trata de gostar ou não, mas sim de saúde, não teve coragem de me dizer de caras que já não havia nada a fazer....foi-me dando a entender. Lembro-me de lhe perguntar que mais é que eu poderia fazer mesmo a nível de alimentação, tomar umas vitaminas etc... e ele dizer-me para eu não me preocupar com essas coisas.... deixei de ir a esse hospital com pena de não ter tido uma conversa final com esse homem!
Voltei-me para as medicinas quânticas, reflexoterapias, essas coisas todas que me foram ajudando a superar mal-estar e a sentir que estava a cuidar de mim. Estive assim durante uns 3 meses e fui-me abaixo. Completamente abaixo, e fui internada, a ganir de dores, noutro hospital.
A novidade é ser internada nos cuidados paliativos, coisa que eu nunca tinha ouvido falar na minha vida...ou pelo menos muito vagamente...A minha perspectiva de vida eram 2 semanas!!! Estava a morrer e a deixar-me ir. A médica responsável por mim foi seguramente um anjinho que me caiu do céu. Ela e a sua equipa. Vivi mais nessa semana que durante um bom bocado da minha maravilhosa vida!!!O estado era de tal maneira grave, que veio o padre, vieram as despedidas familiares, os choros. Hoje tenho a sensação que já morri . Que já fiz o luto de toda a gente....quase de mim própria!! Estive no hospital uns dias até a coisa equilibrar e pedi para ir para casa...... morrer ........ em casa.
E, desde esse dia foi sempre a abrir........a viver cada minuto da minha vida intensamente! Foi a minha escolha. Gozar ao máximo este tempo que me foi emprestado. Foquei, disciplinei, virei a minha direcção num único objectivo: morrer com dignidade, lúcida e em paz!!!
E tem sido uma aventura, que AVENTURA!!!!!!
Apesar de às vezes haver dias de bradar aos céus, em que tudo é negro e nada faz sentido, considero-me uma mulher com muita sorte.
Os cuidados paliativos deram-me com toda a certeza a oportunidade de arrumar a casa, preparar tudo para a minha família, fazer crescer a minha relação com o meu marido (obrigado por tudo Pocas) ..... e principalmente de olhar para dentro de mim. É muito duro, mas tenho momentos de tamanha perfeição, liberdade e comunhão com todo o universo que me faz dizer alto e bom som que tudo vale a pena.
Aprendi que não existem qualquer tipo de fronteiras, tabus em relação à morte... deixei de ter medo e encaro a morte como mais uma aventura. Como tem sido até agora a minha vida... E uma aventura gloriosa. Às vezes já me apetece partir, tenho uma curiosidade louca....
MAS ...MAS ... MAS ... o que me cativou, mais, foi sem dúvida a Humanidade e a Disponibilidade desta senhora chamada Dra. Isabel Neto. E o Abraço dela que se tornou numa constante na minha Vida. Aquele riso transparente que é raríssimo encontrar nos dias de hoje!!! E o raio da mulher, tá sempre assim. Ainda há gente fabulosa.
Só tenho pena que os doentes, (todos os doentes terminais seja a doença que for) todos aquele que precisam de um grito de esperança, de amor, de compreensão, de partilha e, sobretudo de tirar esta dor que faz apetecer acabar com tudo!!!!, não sejam acompanhados mais e desde mais cedo por estes cuidados, ainda quando acompanhados por outros médicos. Afinal de contas para que é que serve a medicina??? Tamos iguais ao resto do governo: Muita parra e pouca uva!!! Só converseta...e aqui com a saúde na se pode brincar, meus amigos!!!!!! Vamos à ACÇÃO!
Concorreria concerteza com muito, e muito menos sofrimento para eles e para todos os familiares que são pessoas fortemente a considerar, uma vez que são pessoas totalmente desamparadas e abandonadas nesta bomba-relógio do sofrimento...
Este texto é dedicado a todos os que podem ajudar ........... a todos os que sofrem e querem viver bem."

Extraído do site da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos

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